Após dois dias de debates altamente qualificados, o IV Encontro Luso-Brasileiro de Bioética e o I Encontro Ibero-Americano de Bioética do Conselho Federal de Medicina (CFM) foram encerrados, nesta quinta-feira (09/06), com a aprovação da Carta de Belo Horizonte. O evento, que ocorreu na capital mineira, recebeu cerca de 250 participantes e contou com o apoio do Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais (CRM-MG) e da Universidade do Porto (Portugal).
Construído a partir das reflexões resultantes dos debates com as entidades participantes e membros das comunidades acadêmica e científica também presentes, o documento traz um manifesto em defesa da justiça, da equidade, da ética e da saúde para o futuro pós-pandemia de covid-19.
A Carta de Belo Horizonte está estruturada em cinco eixos, sendo eles: valorização dos médicos e dos profissionais da saúde; qualificação do ensino da medicina e em saúde; aperfeiçoamento da infraestrutura; estímulo à transparência e ao controle na saúde; e apoio à solidariedade entre os povos.
Com o documento, os participantes dos Encontros Luso-brasileiro e Ibero-Americano reforçam publicamente as possibilidades de crescimento individual e coletivo surgidas na pandemia de covid-19. “São recomendações que permitirão à humanidade combater de forma efetiva a desigualdade, a violência, as iniquidades, a ignorância, a mentira, a manipulação, o despreparo e o desconhecimento. Contra essas atitudes e práticas que devem ser veemente repudiadas, conclamos todos a agir com base na beneficência, não-maleficência, justiça e autonomia, os quatro princípios de base que orientam a bioética e a ética médica”, diz um trecho do texto.
Confira a íntegra do documento clicando no link a seguir: Carta de Belo Horizonte. Ou, leia abaixo:
CARTA DE BELO HORIZONTE
Manifesto em defesa da justiça, da equidade, da ética e da saúde para o futuro pós-pandemia covid-19
Desde 2020, o mundo enfrenta as consequências de uma pandemia sem precedentes na história. Além de milhões de doentes e mortos, a covid-19 deixou marcas profundas na sociedade, afetando as relações entre as pessoas e dessas com o trabalho, a tecnologia, a ciência, a cultura, a medicina e a saúde.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a expectativa é que os efeitos adversos provocados pela pandemia covid-19 repercutam ainda por anos, continuando a influenciar hábitos, comportamentos e as tomadas de decisões. Diante desse cenário, urge avaliar o impacto dessas transformações que apontam para um novo mundo com o qual precisamos aprender a conviver.
Assim, reunidos em Belo Horizonte (MG), nós, participantes do IV Encontro Luso-Brasileiro de Bioética e do I Encontro Ibero Americano de Bioética – ambos organizados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), com o apoio do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG) e da Universidade do Porto (Portugal), expressamos publicamente nossas considerações, as quais são fundamentais para que a trajetória para o futuro pós-pandemia seja traçada com segurança, respeito à ciência, justiça, autonomia e, sobretudo, ética. A seguir, manifestamos nossas recomendações a partir dos eixos abaixo:
VALORIZAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS DA SAÚDE – A pandemia deixou claro o importante papel dos médicos e das equipes de saúde para preservação do bem-estar e da vida das populações. Esse reconhecimento deve ser transformado em ações concretas que visem a valorização desses profissionais por meio de honorários dignos, estímulos à qualificação e acesso a condições de trabalho, bem como ao respeito a autonomia médica no exercício da profissão.
QUALIFICAÇÃO DO ENSINO DA MEDICINA E EM SAÚDE – O sistema formador de médicos e outros profissionais da saúde deve passar por um processo de atualização, adotando princípios norteadores capazes de estimular o preparo de pessoas comprometidas – de forma técnica, ética e solidária – com o atendimento das necessidades da população, sempre atentas às peculiaridades locais e regionais.
APERFEIÇOAMENTO DA INFRAESTRUTURA – Mais do que nunca os sistemas de saúde devem se preparar para o atendimento da população de forma equânime, justa e integral. Para tanto, os serviços devem ser dotados dos meios necessários para que os médicos e equipes possam cumprir sua missão. Isso implica em garantir acesso a leitos, equipamentos, exames e medicamentos, assim como oferecer uma política pública de financiamento da saúde adequada aos níveis de excelência que vêm com os avanços da ciência e da medicina.
ESTÍMULO À TRANSPARÊNCIA E AO CONTROLE NA SAÚDE – Os governos, a indústria e os profissionais devem adotar mecanismos de transparência em todas as instâncias, inclusive nos campos científico e da administração pública, para coibir casos de corrupção e conflitos de interesses. Essas ações devem ser conduzidas com o objetivo de evitar a instrumentalização desnecessária da saúde, permitindo que ela seja um terreno dedicado exclusivamente à defesa da vida e da valorização da dignidade humana.
APOIO A SOLIDARIEDADE ENTRE OS POVOS – A ajuda humanitária e solidária precisa ser exercida de forma contínua e ampla, o que implica em promover o acesso universal, integral e com equidade das populações à assistência em saúde, inclusive a medicamentos, exames e procedimentos. Para tanto, os governos e o setor produtivo devem criar ambiente favorável ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia, prevenindo abusos na concessão e posse de patentes. A vida humana deve ser entendida como bem supremo e, portanto, precisa contar com todos os meios possíveis para sua preservação com dignidade.
As crises, por piores que sejam, têm relevante papel ao permitir que, após a avaliação de danos e a identificação de oportunidades, seja construída uma nova realidade. É com essa intenção que oferecemos as reflexões desse Manifesto, que será divulgado à população, à imprensa, aos médicos e profissionais da saúde, às universidades e aos tomadores de decisão.
Por meio dele, reforçamos publicamente as possibilidades de crescimento individual e coletivo surgidas na esteira da pandemia covid-19 que, se implementadas, permitirão à humanidade combater de forma efetiva a desigualdade, a violência, as iniquidades, a ignorância, a mentira, a manipulação, o despreparo e o desconhecimento. Contra essas atitudes e práticas que devem ser veemente repudiadas, conclamos todos a agir com base na beneficência, não-maleficência, justiça e autonomia, os quatro princípios de base que orientam a bioética e a ética médica.
Belo Horizonte (MG), 9 de junho de 2022.
Fonte: Portal CFM